Na casa de A., que mora no 902 e tinha me prometido uns diários de quando ela fez uma viagem a um país do oriente médio que eu não conhecia. Ela tinha falado ao telefone comigo com empolgação,mas me recebeu em casa com total indiferença. Ela me deixou entrar e permaneceu sentada à mesa, trabalhando em algo com gráficos, cheques e fotografias. Não conversava comigo, mas via-se claramente que ela mais queria que eu fosse embora. Então, com impaciência, ela abriu outro cômodo da sala e me mostrou o teto coberto de plástico porque havia mofo em toda parte. Ela disse que eu não falasse alto demais para não acordar a criança, sua filha de oito meses de idade que dormia. Não recebi os diários.
Flora e Syã
Caderno de ir embora (1)
Y en el fondo del barranco se
s/t (ou “conversa”)
Sem título (ou “conversa”), 2011
acrilica sobre tela
49 x 38 cm
Foto: Carol Castro
s/t (ou “família”)
Fichas Pautadas n° 3
Desenho de ir embora
Prataria
estas máquinas
Sabemos do perigo destas máquinas. Estas máquinas servem somente por causa do insuportável que se vive. Mas estas máquinas apenas servem. Elas não dão conta de cada tijolo e cada gesto, e cada aspecto de olhos. Elas não chegam até isso. Às vezes se esquecem, mas estas máquinas servem para esquecer o que deve ser esquecido e lembrar o que deve ser lembrado. Qualquer erro acarreta desastre. Seu mecanismo antigo, usado em poemas e diálogos e gramáticas, esconde etimologias e cai no momento em que as sílabas se tornam difíceis. Estas máquinas não servem, mas nada serve além destas máquinas. O que é olho, carne e som só chega até mim através destas máquinas. Quando eu estiver cansado, estas máquinas me servem de repouso. Quando trabalhamos, trabalhamos estas máquinas. Se não existe algo de distinto, a máquina não para. Ela começa na primeira palavra. Começa sempre, mas não termina até que morram a língua e os dedos. Qualquer erro acarreta mudez.